Por George Carvalho
O Núcleo de Pesquisa do Teatro Experimental de Arte (TEA) leva à cena um clássico da literatura moderna: A metamorfose, de Franz Kafka. É a história de um homem que, ao acordar, se vê transformado num gigantesco inseto. A nova forma física de Gregor traz uma série de transtornos para os que convivem com ele, modificando completamente o cotidiano de sua família.
Sob a direção de Fabio Pascoal, o espetáculo é construído a partir da perspectiva da Sra Samsa e de Grete, mãe e irmã de Gregor. O início da montagem é marcado por uma mudança brusca de atmosfera: a luz, antes aberta, passa a ser direcionada em foco, enquanto um som alto e forte é executado, despertando a curiosidade do espectador.
Sem a presença física do protagonista de Kafka, a peça do grupo caruaruense é bem intimista, contando apenas com duas atrizes no palco e um cenário que reproduz a casa da família Samsa. A ação é limitada e boa parte da história é contada pelas duas personagens que se colocam à frente do palco, sentadas sob um foco de luz. A contenção do espetáculo é fundamental para o estabelecimento de um ritmo maçante e incômodo ao espectador, tal qual o clima que aflige o lar de Gregor.
A densidade do texto é mantida com o auxílio de um ajuste pulsante entre sonoplastia e iluminação. Uma concepção sublime e fundamental à essência da montagem, cuja execução precisa ser muito bem trabalhada. A interação entre as atrizes é perfeita, com destaque para a atuação espetacular de Juliana Soares que interpreta a Sra Samsa: ela transmite uma força e uma carga dramática – exigidos pelo personagem – impressionantes.
Geysiane Melo também defende dignamente sua Grete, com destaque para cena em que a atriz chora e clama pelo irmão atrás de uma cadeira.
O cuidado exacerbado com a literatura kafkiana e a bipolarização das falas deixam a peça enfadonha em determinados momentos. Além disso, a complexa assimilação do que é encenado também pode comprometer a entrega plena do público. Um dos instantes mais passíveis de ficarem obscuros diz respeito à revelação da morte de Gregor: enquanto uma das atrizes narra a ação, a outra a executa, não ficando claro que ambas interpretam uma mesma pessoa.
A metamorfose é de uma sensibilidade cênica incrível. A transposição do romance de Kafka para os palcos é realizada de maneira coesa e, até certo ponto, fiel ao conto original. Com a morte de Gregor, uma nova transformação ocorre: o ambiente é tomado por uma nova atmosfera de alívio, menos carregada. A transcendência proposta pelo autor não é apenas presenciada pelo público, o qual também é levado a tomar parte nessa experimentação. Mais que simplesmente representar uma história inusitada, o espetáculo do TEA propõe um arrebatamento acerca da condição humana, sempre propensa a sofrer algum tipo de metamorfose.
Link de acesso: CineCrítica
A METAMORFOSE – Em Curitiba, na mostra paralela do Festival de Teatro, o Fringe. Apresentação nos dias 04, 05 e 06 de abril, às 11h, às 16h e às 20h, no Paço da Liberdade. Ingressos a R$ 20,00.